Divulgado em junho deste ano, o Mapa da Segurança Pública de 2025 revela um dado alarmante: no Brasil, aproximadamente quatro mulheres são mortas todos os dias, o que representa um assassinato a cada oito horas. Diante desse cenário — que contabilizou mais de 1.400 vítimas de feminicídio apenas em 2024 — o movimento Levante Mulheres Vivas tem promovido manifestações contra a violência de gênero em diversas regiões do país. Após atos realizados no último dia 7 de dezembro, a mobilização convoca agora as mulheres da Bahia a ocuparem as ruas neste domingo, dia 14.
Por meio das redes sociais, o Levante das Mulheres Vivas na Bahia vem divulgando imagens de mulheres de diferentes perfis e áreas de atuação, que convidam amigas, colegas e familiares para participar do protesto. A concentração está marcada para as 10h, no Cristo da Barra, com caminhada em direção ao Farol da Barra, um dos cartões-postais de Salvador.
Segundo Sandra Munõz, uma das articuladoras do movimento, o sentimento que impulsiona a mobilização é o esgotamento. “O que pesa agora é isso. As mulheres estão cansadas, não suportam mais conviver com tantas mortes e assassinatos”, afirma. Para ela, ir às ruas é um ato de resistência e sobrevivência. Sandra também ressalta o simbolismo do período: “Estamos perto do Natal, um momento em que deveríamos estar cuidando da nossa vida, descansando, com a família. Em vez disso, estamos na rua pedindo para continuar vivas até o fim do ano, algo que muitas companheiras não conseguiram”.
Apesar do aumento de campanhas de conscientização em nível nacional, Sandra avalia que as políticas públicas ainda não dão conta da gravidade do problema. À frente da Casa de Acolhimento Marielle Franco Brasil, em Salvador — espaço que recebe mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ em situação de violência — ela relata situações que se tornaram recorrentes em seu cotidiano.
Em um dos casos, uma mulher com quatro filhos não conseguiu acolhimento imediato porque não possuía medida protetiva contra o agressor. Mesmo após acionar a polícia, o homem não pôde ser retirado da residência. Na delegacia, a vítima teve sua denúncia descredibilizada por não apresentar marcas visíveis de agressão. “É esse tipo de situação que faz as mulheres estarem exaustas”, afirma Sandra.
A relação da ativista com o enfrentamento à violência de gênero, no entanto, começou ainda na adolescência. Aos 13 anos, em Belo Horizonte, ela presenciou o pai agredindo a mãe. Ao tentar intervir, também foi atacada, mas aquele episódio marcou profundamente sua trajetória. “Foi ali que eu disse para minha mãe que a gente precisava sair daquela casa”, recorda.
Mesmo sem conseguir romper o ciclo de violência, a mãe de Sandra deixou um legado de força e incentivo à luta. Segundo a ativista, foi dela o impulso para transformar dor em militância: “Ela me disse que queria que eu virasse um ‘monstro’ para enfrentar o patriarcado e salvar outras mulheres”.
Desde então, Sandra passou a atuar em movimentos feministas no Brasil e em outros países da América Latina. Pedagoga, ela já esteve à frente da Marcha das Vadias no país e da Marcha las Putas no exterior, sempre defendendo os direitos das mulheres e o combate à violência de gênero. Essa experiência é o que ela leva agora para a organização do ato em Salvador.
Ela destaca que o movimento não surgiu de forma repentina e que, mesmo diante da ausência de apoio inicial de outros grupos, decidiu seguir adiante. “A gente disse: vamos para a rua, com quem quiser ir. Mesmo que seja só a gente”, relata.
Sobre a expectativa para o protesto deste domingo, Sandra afirma que o mais importante não é o número de participantes, mas a consciência política de quem estiver presente. “Não me importa colocar mil mulheres na rua. Prefiro três que saibam exatamente por que estão ali”, explica. Para ela, o essencial é que cada mulher compreenda que a violência pode atingir qualquer uma — seja uma vizinha, uma parente ou ela mesma.
Ainda assim, os atos realizados no último dia 7 reuniram multidões em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Na capital paulista, cerca de 9,2 mil pessoas participaram da manifestação, segundo dados do Monitor do Debate Político, do Cebrap, em parceria com a USP.
Inspiradas por essa mobilização nacional, mulheres baianas — tanto as que nasceram no estado quanto as que o escolheram como lar — devem iniciar a concentração do Levante a partir das 9h, no Cristo da Barra, para fazer ecoar, nas ruas de Salvador, o grito coletivo em defesa do direito à vida.
