O governo federal criou uma “sala de enfrentamento da estiagem da Amazônia Legal e Pantanal” para lidar com a nova temporada de seca, que tem início na maior parte do país.
O objetivo é articular, com a participação de diversos ministérios e órgãos públicos, ações que evitem o caos que a falta d’água causou em grande parte das regiões Norte e Centro-Oeste em 2024. O orçamento para lidar com essas medidas emergenciais, porém, ainda é uma incógnita.
A Casa Civil da Presidência, que atua como a gestora desse grupo, não dá informações sobre gastos previstos com as medidas. O MIDR (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional) afirma que não há “um valor pré-definido”.
A dimensão dos estragos que a seca tem causado ao meio ambiente e à vida de milhares de pessoas, no entanto, já foi apurado, além da reincidência desses casos em diversos municípios do país, uma situação que, segundo especialistas em ações socioambientais, poderia levar a projetos de prevenção, em vez de reação a esses problemas.
A reportagem teve acesso a um levantamento sobre diversas frentes de assistência humanitária emergencial que tiveram de ser adotadas em 2024 por diversas pastas, período que, conforme dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), registrou a seca mais extensa do país desde 1950, afetando cerca de 58% do território nacional, o equivalente a aproximadamente 5 milhões de km².
No ano passado, os gastos do MIDR com cestas de alimentos enviadas a regiões necessitadas chegaram a R$ 99,9 milhões, contra R$ 68,6 milhões em 2023. Entre os dois anos, o número de municípios atendidos saltou de 94 para 145 cidades. Em 83 delas, o problema foi recorrente.
A distribuição de água potável, que em 2023 chegou a 81 municípios, subiu para 135 localidades no ano passado. Os gastos saíram de R$ 26,2 milhões para R$ 33,3 milhões em 2024. A recorrência foi confirmada em 71 municípios.
Na logística, incluindo medidas de distribuição de combustíveis e transporte, o número de 86 municípios chegou a 132 no ano passado, mantendo um gasto médio de R$ 20 milhões por ano com essas ações. Em 70 municípios, o problema se repetiu entre os dois anos.
No caso do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), os gastos com cestas básicas emergenciais saltaram de R$ 15,3 milhões em 2023 para R$ 72 milhões no ano passado.
No total, as medidas tomadas pelos ministérios custaram R$ 363,5 milhões nos últimos dois anos. Invariavelmente, esses recursos dependeram de repasses extraordinários, por não estarem previstos antecipadamente no orçamento federal.
“O governo tem tomado medidas para enfrentar os problemas, mas essa dependência de repasses extraordinários não permite a antecipação. Então, ficamos aguardando o pior acontecer, quando deveria haver, no planejamento formal, uma previsão de valores”, diz Fábio Ishisaki, assessor de políticas públicas do Observatório do Clima.
O MIDR declarou que, apesar de não contar com um orçamento prévio, está em andamento a elaboração de um “plano de enfrentamento” à estiagem, sob coordenação da Casa Civil, que pretende mapear as possíveis demandas e volumes das populações afetadas.
“Cabe ressaltar que a ação federal dependerá da magnitude do evento e da capacidade de resposta dos municípios e estados afetados, uma vez que os nossos recursos são de natureza complementar”, afirmou a pasta.
A Casa Civil informou que, em reunião realizada no dia 20 de maio, foi apresentado o plano de enfrentamento à estiagem que vai “mapear as possíveis demandas, de forma coordenada entre as agências federais, sobretudo para emprego de pronta resposta às populações afetadas pelo evento adverso, em complementação aos recursos disponibilizados pelos entes federados, de modo a garantir inexistência de sobreposição de atividades e lacunas nos atendimentos”.
Para Alessandro Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o fato de o governo recorrer a recursos extraordinários para bancar essas ações deve-se, também, a uma estratégia financeira, dado que pedidos emergenciais não entram nos limites dos gastos públicos, já estrangulados pelo ajuste fiscal da União.
“Dada a situação fiscal e as amarras do arcabouço fiscal, essa acaba sendo uma forma de responder a esses eventos extremos, por meio desses créditos extraordinários. Pode não ser o cenário ideal, mas vemos que o governo tem buscado saídas para lidar com essas situações sem deixar a população desassistida.”
As chuvas do verão, que chegaram ao fim em março, não foram suficientes para recuperar o estoque hídrico do solo, afirma o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Com o solo maltratado nos últimos dois anos pelas secas e incêndios florestais, que têm atingido com mais frequência os biomas amazônia, cerrado e o pantanal, a umidade insuficiente pode acarretar novos problemas na época de estiagem, piorando a seca, que foi recorde no país em 2024.
Entre dezembro de 2024 e fevereiro deste ano, o déficit de precipitações em relação à média, na porção mais ao norte do pantanal, norte de Mato Grosso, Rondônia, parte leste do Acre e sudoeste do Pará, foi de 200 mm, quando a média climatológica do período é 500 mm e 700 mm.