A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou neste domingo (26) o vazamento da íntegra da primeira parte da delação de Mauro Cid e chamou a investigação de “semissecreta”, sem acesso pleno dos advogados às informações.
O depoimento do tenente-coronel à Polícia Federal em agosto de 2023 foi obtido pelo colunista Elio Gaspari.
O militar citou 20 nomes que estariam envolvidos na trama golpista, mas nem todos foram indiciados mais de um ano depois pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Assinada pelos advogados Paulo Cunha Bueno, Daniel Tesser e Celso Sanchez Vilardi, a nota da defesa de Bolsonaro “manifesta sua indignação diante de novos ‘vazamentos seletivos’, assim como seu inconformismo diante do fato de que, enquanto lhe é sonegado acesso legal à integralidade da referida colaboração, seu conteúdo, por outro lado, veio e continua sendo repetidamente publicizado em veículos de comunicação”.
Os advogados afirmam que a divulgação da íntegra prejudica o direito de ampla defesa e que “às defesas é dado acesso seletivo de informações, impedindo o contexto total dos elementos de prova”.
“Investigações ‘semissecretas’ são incompatíveis com o Estado democrático de Direito, que nosso ordenamento busca preservar”, afirma.
Alguns pontos do primeiro depoimento de Cid já eram conhecidos -inclusive por terem embasado o relatório final da PF sobre a tentativa de golpe no entorno de Bolsonaro (PL)-, mas, até então, não era conhecida a totalidade do documento.
O ex-presidente é citado na delação, em que Cid afirma que Bolsonaro trabalhava com duas hipóteses para reverter o resultado da eleição de Lula. Uma seria encontrar fraudes nas urnas, o que um grupo próximo a Bolsonaro não conseguiu fazer, e outra seria convencer as Forças Armadas a aderirem a um golpe de Estado.
Outro citado, o senador Jorge Seif (PL-SC), também se manifestou sobre o caso, dizendo serem “falaciosas, absurdas e mentirosas” as declarações de Cid. Seif foi classificado pelo tenente-coronel como parte da ala mais radical próxima ao ex-presidente, que o teria incentivado a tentar dar um golpe.
“Jamais ouvi, abordei ou insinuei nada sobre o suposto golpe com o presidente da República nem com quaisquer dos citados na delação vazada. O conteúdo do depoimento ilegalmente vazado é apenas uma opinião de “classificação” que me inclui de forma criminosa como parte de um grupo fictício, e não contém nenhum relato de fato específico sobre participação minha que jamais existiu”, afirmou Seif em nota.
Ele negou que tenha, em encontros com Bolsonaro, “abordado ou insinuado decretação de intervenção ou outras medidas de exceção, o que prova que o depoimento vazado é completamente inverídico”.
A reportagem tentou contato com as outras pessoas citadas por Cid no depoimento vazado. Além de não terem respondido, integrantes da família Bolsonaro, como a ex-primeira-dama Michelle, silenciaram sobre o tema por enquanto nas redes sociais.
Michelle é citada por Cid, ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), como integrante do grupo mais radical que teria instigado o ex-presidente a dar um golpe de Estado.
O primeiro depoimento da colaboração premiada de Cid citou 9 das 40 pessoas indiciadas pela PF sob suspeita de participar de uma tentativa de golpe para impedir a posse de Lula.
No total, o tenente-coronel apontou mais nomes envolvidos na trama golpista. Aparecem na lista o general Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato derrotado a vice-presidente, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército, e Mario Fernandes, ex-número dois da Secretaria-Geral da Presidência, além de figuras como o ex-assessor de Bolsonaro Filipe Martins, considerado um dos principais articuladores do plano de golpe.
O depoimento também fala sobre a atuação do ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier, que teria colocado as tropas à disposição do golpe, e aborda a atuação do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que teria tentado encontrar fraudes nas urnas, além de outros nomes.
A delação premiada de Cid foi homologada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em setembro de 2023 e chegou a ter a validade posta em xeque depois que o militar apresentou comportamento identificado como omisso e com contradições junto a apurações da PF. O acordo, entretanto, foi mantido pelo ministro Alexandre de Moraes após o militar prestar esclarecimentos.
A defesa de Filipe Martins já disse que o indiciamento foi “fabricado inteiramente com base em ilações e narrativas fantasiosas -jamais em fatos e evidências concretas”, sendo “risível e juridicamente insustentável”.
Já a defesa do general Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres, afirmou em outras ocasiões que o militar não recebeu nenhuma minuta golpista no período. No primeiro depoimento de Cid, o militar é descrito como legalista.
[05:42, 27/01/2025] Laiana: ‘Medo de morrer’, ‘tratado igual cachorro’; o que dizem os brasileiros deportados
[05:44, 27/01/2025] Laiana: Os brasileiros deportados dos Estados Unidos que chegaram ao Aeroporto Internacional de Belo Horizonte neste sábado (25) relataram agressões, ameaças e tratamento degradante que sofreram por parte dos agentes de imigração americanos responsáveis pelo voo de volta ao Brasil.
Desembarcando na noite de sábado em Confins após serem soltos pela Polícia Federal, vários dos migrantes disseram ter ficado 50 horas algemados, sem ar condicionado no voo e sujeitos a abusos dos americanos.
“Nem cachorro merecia ser tratado daquele jeito”, disse Jefferson Maia, que contou ter ficado dois meses preso nos EUA após atravessar a fronteira com o México. “Passei quase 50 horas acorrentado, sem comer direito. Estou há cinco dias sem tomar banho.”
Segundo Jefferson, ele foi agredido pelos agentes de imigração já em Manaus, quando os americanos tentaram fazer o avião decolar mesmo apresentando falha no motor. Nesse momento, os migrantes pediram para sair da aeronave. “O agente me enforcou, puxou a corrente das algemas até que meu braço sangrasse”, conta. “Não volto [para os EUA] nunca mais.”
Vários dos deportados relatam que só conseguiram alertar as autoridades brasileiras depois de abrir uma das portas de emergência do avião e gritar por socorro do alto da asa, ao que funcionários do aeroporto que trabalhavam na pista alertaram a Polícia Federal. “A gente disse: nós não vamos mais viajar nesse avião, chama a nossa polícia, tira a gente daqui”, afirma Denilson José de Oliveira, 26 anos. “Senti muito medo. Parecia que estavam tentando nos matar.”
Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o governo Lula determinou a retirada das algemas dos brasileiros assim que foi informado da situação pela PF. O ministro falou em “flagrante desrespeito” dos direitos dos brasileiros. O Planalto também enviou um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para fazer o transporte dos migrantes até Confins, destino final do voo original.
Na noite de sábado, o Itamaraty publicou em suas redes sociais a informação de que pedirá explicações ao governo Donald Trump sobre “o tratamento degradante dispensado aos passageiros no voo”.
Carlos Vinicius de Jesus, 29, disse que os agentes americanos agrediram e humilharam os migrantes. “Bateram em nós, falaram que iam derrubar o avião, que nosso governo não era de nada. A gente que se rebelou, iam nos matar. Eles falaram que se eles quisessem eles fechavam a porta da aeronave e matavam todos nós.”
Segundo Carlos, o avião, que partiu na sexta-feira (24) da cidade de Alexandria, na Virgínia, apresentou falha técnica ainda em espaço aéreo americano, fazendo uma parada no estado da Louisiana, no sul do país. Depois, precisou pousar no Panamá e, por fim, em Manaus.
O carioca Marcos Vinicius Santiago de Oliveira, 38, confirmou as agressões contra outros deportados e contou a respeito da pane que teria ocorrido no avião. “Quando parou no Panamá, o avião não queria funcionar. A gente ficou horas sem ar condicionado e algemado. Até para ir no banheiro, para beber água, aquilo era difícil”, disse. De acordo com Jefferson Maia, os brasileiros foram forçados a ir ao banheiro de porta aberta.
Aeliton Cândido, 33, relatou que estava há dois anos detido nos EUA e reiterou que houve agressões e problemas na aeronave durante o retorno para Brasil. “Agora é vida nova, respirar e recuperar a minha dignidade. Foi a pior coisa que já passei na minha vida. Medo de morrer.”
“Eu não fui agredido, mas os meninos foram. Eles estavam algemados, meteram o porrete neles sem dó. Desumano. Chutes, jogando os moleques no chão. Em um deles, um cara deu um mata-leão”, disse Luiz Fernando Caetano Costa, um dos migrantes retornados, que estava havia um ano e meio nos EUA.
“Alguns rapazes mais novos começaram a ver as crianças passando mal, eles estavam falando para tirar as crianças”, afirmou Mario Henrique Andrade Mateus, 41, que diz ter ficado três meses detido na imigração americana. “Os agentes dos EUA não queriam deixar a gente sair. Agrediram um dos meninos, derrubaram ele no chão e deram um chute nele.” Outros brasileiros relataram que os agentes separaram famílias dentro do avião.
“Após a chegada da Polícia Federal, depois de muita discussão, muita briga, eles não queriam deixar a gente descer. E quando aceitaram, eles queriam tirar as algemas para que a PF não visse que nós estávamos algemados em território brasileiro”, acrescentou Mario Henrique.
Os brasileiros também relataram as condições degradantes durante a detenção nos EUA, aguardando deportação. “Até cachorro aqui no Brasil come melhor do que a gente comeu lá”, disse Lucas Gabriel Maia. “Era pão, água e cereal.” Outros migrantes também relataram que a dieta consistia de hambúrguer no almoço e na janta, e que muitos detidos passaram fome e frio. “Ninguém merece ser tratado assim”, diz Lucas.
Procurada pela reportagem para comentar as acusações, a Embaixada dos EUA em Brasília não se manifestou formalmente até a publicação deste texto. No sábado, havia dito apenas que “os cidadãos brasileiros do voo de repatriação estão sob custódia das autoridades brasileiras” e que a representação diplomática estava em contato com as autoridades.